Onde está o nosso tempo?

A velocidade atual que nos impomos faz com que pessoas sejam ansiosas demais e com medo demais de seus vazios.

Hoje vivemos num tempo diferente. Um tempo sem tempo. Somos localizados pelo celular, classificados pelas redes sociais, perseguidos por e-mails com propaganda e outras tantas "modernidades", que nos cobram rapidez na resposta. Enfim, nem tudo que muda é ruim, mas as mudanças talvez estejam rápidas demais, nos fazendo sentir cada vez com menos tempo. Isso aumenta o vazio existencial e o desejo de preenchê-lo a qualquer custo. Zygmunt Bauman, filósofo polonês, introduziu o conceito de "liquidez" nas relações sociais e disse que "vivemos tempos líquidos, nada é para durar". Ele também fala do "amor líquido", onde quem hoje é ideal, amanhã pode ter sido deletado do casamento ou da lista de "amigos" das redes sociais. Não há mais relações profundas, mas conexões descartáveis. Em qualquer percalço, não se procura resolver os problemas das relações interpessoais, mas trocá-las por outras "novas". Isso soa como a troca de um produto qualquer quebrado ou obsoleto. A isso Baumam chamou de "coisificação" das pessoas, onde passamos a ser mercadorias, juntamente com todas as informações inerentes a cada um de nós, incluindo hábitos de compra, estilo de vida, locais de passeio e viagem, pessoas "interessantes" e tudo o mais que possa ser comercializado e vendido para esta pessoa e, ainda, vendê-la para outras.

Os tempos são de transformações rápidas e com muita informação (real ou falsa) para ser digerida, o que nos faz sentir lentos e sempre devedores. Isso cria desconforto, pois traz a sensação de que se está perdendo tempo, negócios, amigos, vida. A modernidade líquida criou o tempo-do-mínimo-tempo fazendo com que essa pressa toda quebre quaisquer regras básicas de convivência mais adequada, fina e educada, onde o individualismo e o egoísmo são palavras de ordem. A velocidade atual que nos impomos faz com que pessoas sejam ansiosas demais e com medo demais de seus vazios. É comum hoje, que enquanto se assiste a uma peça de teatro, alguém esteja visualizando o celular em busca de alguma imagem ou trocando mensagens com o mundo. É inconcebível, para muitos, desligar o celular e assistir ao espetáculo. Hoje não se pode perder nenhuma oportunidade de preencher o vácuo criado pelas fantasiosas redes sociais, que trazem um mundo perfeito e repleto de cobranças para que todos se enquadrem em padrões sociais e pessoais ditados pelo consumismo. Naquela uma hora e meia de uma peça de teatro ou de um filme no cinema, muitos têm a certeza de que receberão "a" mensagem que transformará suas vidas, pelo menos durante alguns segundos. Esse movimento de se desprender da realidade e não aproveitar o momento cria um círculo vicioso deslocando o presente para o futuro, que torna a jogar a pessoa para o futuro e assim por diante. Quando a ansiedade atinge extremos, o indivíduo acaba atendendo o celular no meio da peça de teatro, mesmo que isso incomode aos atores e toda a plateia. E daí? Quem é o outro diante da necessidade de saciar uma ansiedade agoniante e preencher um imenso vazio?

De outro lado, essa pressa toda só servirá algum dia, penso eu, para que possamos parar e valorizar mais o tempo presente, usufruindo dos dias como esses fossem únicos, ou poucos, ou líquidos... Enquanto isso, o tempo curto, a pressa desmedida e a desvalorização do outro dissolvem o presente e nos prometem um futuro confortante, onde estão as coisas que saciarão os desejos materialistas e até emocionais. Daí só nos resta a ansiedade, as relações frouxas e utilitaristas, onde nos transformamos em mercadorias de consumo instantâneo. A amizade passa a ser uma "coisa" e pode ser trocada, vendida, jogada fora se ficar velha ou quando o outro não tenha mais nada para nos dar. Haja antidepressivos, ansiolíticos e psicoterapias para tentar manter o equilíbrio emocional da sociedade contemporânea! Enquanto isso, vamos deixando escapar por entre os dedos os momentos mais importantes das relações, que não voltam mais e, assim, vamos estranhando o outro e a nós mesmos. Está difícil entender a velocidade alta que o tempo tem passado, porque aceitamos as coisas como elas estão postas e nada fazemos (ou podemos) fazer. Caímos numa armadilha coletiva alienante e torturante, que cobra padrões sociais do "ter", desde corpos esculturais até viagens paradisíacas, trava o raciocínio no modo consumir e faz correr atrás de uma perfeição que não existe. Chegará o dia, sabe-se lá a que custo, em que o tempo de cada um vai fluir de acordo com a vontade de cada relógio biológico, psíquico, social ou espiritual. Seremos muito mais do que teremos ou aparentaremos ter.